Luz do… armário da despensa? – Max Lucado

Algumas noites atrás aconteceu algo peculiar.

Uma tempestade provocou um apagão em nosso bairro. Quando as luzes se apagaram, tateei no meio da escuridão até o armário em que guardávamos as velas para situações como essa. Por meio da luz de um fósforo aceso, olhei na prateleira onde ficavam as velas. Lá estavam elas, já posicionadas em seus lugares, derretidas em vários níveis devido a missões anteriores. Peguei os fósforos e acendi quatro velas.

E como iluminaram a despensa! O que antes era um véu de escuridão, de repente irradiava com luz suave e dourada! Podia ver o freezer no qual havia acabado de bater o joelho. E podia ver minhas ferramentas que precisavam ser consertadas.

– Como é ótimo ter luz! – disse em voz alta. Depois me dirigi às velas.- Se vocês fazem um trabalho tão bom aqui no armário, esperem só até eu levá-las para onde são realmente necessárias! Colocarei uma de vocês na mesa para que eu possa ler. Darei uma de vocês a Denalyn para que ela possa costurar. E deixarei você – disse para a maior- na sala de estar, onde pode iluminar todo o cômodo.

(Eu me sentia meio bobo por conversar com velas – mas o que você faz quando as luzes se apagam?)

Estava me virando para sair com a vela maior quando escutei uma voz.

– Ei, deixe essa vela aí.

Parei por um instante. “Alguém está aqui”, pensei. Depois relaxei. “Deve ser a Denalyn, gracejando comigo por conversar com velas.”

– OK, querida, chega de brincadeira – eu disse na semi-escuridão. Nenhuma resposta. “Humm, talvez fosse o vento.”Dei outro passo.

-Eu disse para deixá-la aí!

Havia uma voz. Minhas mãos começaram a suar.

-Quem disse isso?

-Eu disse.

A voz vinha de perto da minha mão.

-Quem é você? O que é você?

-Eu sou uma vela.

Olhei para a vela em minhas mãos. Uma chama forte e dourada ardia. Era vermelha e ficava num pesado suporte de madeira contendo uma alça firme.

Olhei ao redor mais uma vez para conferir se a voz estaria vindo de outro lugar.

-Não há mais ninguém aqui, além de você e de mim, e o restante de nós, velas – a voz me informou.

Levantei a vela para olhar mais de perto. Você não vai acreditar no que vi. Havia uma pequena face na cera da vela. ( Falei que você não acreditaria em mim.) Não apenas um rosto de vela esculpido por alguém, mas um rosto em ação, movendo-se, cheio de expressão e vida.

– Não me tire daqui!

– Quê?

– Eu disse para não me tirar deste armário.

– Que você quer dizer?

Eu tenho de tirar você daqui. Você é uma vela. Seu trabalho é iluminar. Está escuro do lado de lá. As pessoas estão roendo as unhas e subindo nas paredes. Você tem de sair daqui e iluminar o local!

– Mas você não pode me levar para lá. Eu não estou pronta – explicou a vela com olhos de súplica. – Preciso de mais preparo.

Não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

– Mais preparo?

– Sim, eu decidi que preciso pesquisar esse negócio de iluminar para que eu não saia por aí fazendo um monte de bobagem. Você ficaria surpreso se soubesse como o brilho de uma vela destreinada pode ser distorcido. Por isso estou fazendo alguns estudos. Acabei de terminar um livro sobre resistência ao vento. Estou no meio de uma série de vídeos sobre acúmulo de pavio e conservação, e estou lendo o novo sucesso de vendas sobre exibição de chamas. Já ouviu falar dele?

– Não – respondi.

– Você talvez apreciasse. Chama-se Eloquência encerada.

– Isso soa bastante interessante… – Então caí na real.

O que estou fazendo? Estou aqui conversando com uma vela enquanto minha esposa e filhas estão lá no escuro!”

– Tudo bem, então – disse. – Você não é a única vela na prateleira. Vou assoprar você e levar as outras!

No momento em que enchi minhas bochechas de ar, contudo, escutei outras vozes:

– Nós também não vamos!

Era uma conspiração. Virei-me e olhei para as outras três velas, cada qual com chamas dançando sobre seu rosto em miniatura.

Estava me sentindo mais que desconfortável nisso de conversar com velas. Comecei a ficar irritado.

– Vocês são velas, e seu trabalho é iluminar lugares escuros!

Bem, essa pode ser sua opinião – disse a vela na extremidade esquerda, um sujeitinho bem alto, magro, com cavanhaque e sotaque clássico. – Pode ser que, em sua opinião, nós tenhamos de ir, mas eu estou ocupado.

– Ocupado?

– Sim, estou meditando.

– O quê ? Uma vela que medita?

– Sim. Estou meditando na importância da luz. É realmente esclarecedor.

Decidi argumentar com elas.

– Ouçam, eu aprecio o que vocês estão fazendo. Dou total apoio para um tempo de meditação. E todo mundo precisa estudar e pesquisar; mas, pelo amor de Deus, vocês estão aqui há semanas! Já não tiveram tempo suficiente para ajeitar seu pavio? E vocês duas? – perguntei. – Vocês também vão permanecer aqui?

Uma vela pequena, roliça, de cor púrpura com bochechas rechonchudas que me faziam lembrar Papai Noel, falou:

– Estou esperando minha vida ficar em ordem. Não sou estável o suficiente. Perco a paciência com facilidade. Acho que você poderia dizer que eu sou meio cabeça quente.

A última vela tinha uma voz musical, muito agradável de ouvir.

– Eu gostaria de ajudar – explicou ela. – Mas iluminar a escuridão não é meu dom.

Aquela história toda começou a soar familiar.

– Não é o seu dom? O que você quer dizer?

– Bem, sou uma cantora. Eu canto para as outras velas a fim de encorajá-las a brilhar mais intensamente.

Sem pedir minha permissão, ela começou uma versão do hino “Brilha no meio do teu viver”. ( tenho que admitir, tinha uma bela voz.)

As outras três se juntaram, enchendo o cômodo de música.

– Ei – gritei por sobre a música – eu não me importo se vocês cantarem durante o trabalho! Na verdade, poderíamos mesmo usar um pouco de música ali!

Elas não me ouviram. Estavam cantando alto demais. Eu berrei com mais força ainda.

– Vamos lá, pessoal. Existe tempo de sobra para isso mais tarde. Temos uma crise aqui.

Elas não pararam. Coloquei uma vela maior na prateleira, dei um passo para trás e analisei o absurdo daquilo tudo. Quatro velas perfeitamente saudáveis cantando uma para a outra sobre brilhar, mas se recusando a sair do lugar. Fiz tudo o que podia. Uma por uma eu as apaguei. Continuaram cantando até o fim. A última a piscar foi a de voz feminina. Soprei sobre ela bem na parte do hino que dizia “jazem na negra escuridão”.

Coloquei as mãos no bolso e caminhei de volta no escuro. Bati o joelho no freezer de novo. Depois, trombei com minha esposa.

-Onde estão as velas? – perguntou ela.

– Elas não… elas não funcionam. Onde você comprou aquelas velas, aliás?

– Ah, elas são da igreja. Lembra-se da igreja que fechou as portas no outro lado da cidade? Eu as comprei lá.

Eu entendi.

 

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Posted in reflexao by agnes at April 11th, 2014.